Ars Brevis - Raimundo Lúlio

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O segundo pilar da Arte Luliana, a saber, seu caráter formal, que se expressa nas quatro figuras

A primeira delas chama-se Figura A –letra que Lúlio não utiliza em seu alfabeto e que em obras anteriores, como a Ars maior, havia reservado a Deus–. A figura consta de dois discos de diferente tamanho superpostos, em cujas respectivas periferias trazem inscritos os princípios absolutos; no disco menor em sua forma predicativa (bonum, magnum, etc.) e no disco maior em forma de substantivo (bonitas, magnitudo, etc.). Além disso, no interior do círculo, diversas linhas interconectam as casas dos diferentes princípios absolutos entre elas, e assim esta figura demonstra claramente a mútua predicabilidade e a convertibilidade de tais princípios em Deus. De fato, nesta figura se descobre todo o segredo da famosa demonstratio per aequiparantiam de Lúlio, que não faz outra coisa senão basear a demonstração sobre a convertibilidade dos princípios absolutos em Deus, para mostrar, entre outras coisas, sua Trindade. Contudo, esta figura não é exclusivamente teológica, mas também se aplica à criação, na medida em que nela se encontram realizados os princípios absolutos. De maneira que se Pedro é bom, segundo Lúlio, também se lhe pode atribuir a magnitude, ainda que então os princípios percam seu caráter universal e se convertam em princípios particulares. Portanto, diz Lúlio, esta figura serve para descer do universal ao particular e vice-versa. É este o caminho que ao tratar dos princípios se havia apostrofado como a dimensão vertical da Arte.




A segunda figura, de nome T, põe em ordem sistemática os princípios relacionais, agrupando cada três deles nos três vértices de um triângulo, de maneira que se geram três triângulos que nos manuscritos da Ars brevis costumam vir coloridos em verde, vermelho e amarelo. O triângulo verde contém em seus ângulos «diferença», «concordância» e «contrariedade», termos que se distinguem segundo o âmbito da realidade à qual são aplicados. Estes âmbitos se indicam pelas casas que se encontram por cima dos respectivos ângulos, mostrando, por exemplo, que podem existir «diferença», «concordância» ou «contrariedade» entre dois entes espirituais, ou entre um ente espiritual e outro sensível, ou ainda entre dois entes sensíveis. Da mesma maneira, o triângulo vermelho que representa o princípio, o meio e o fim, possui suas subdivisões, podendo ser o princípio causal, quantitativo e temporal. Enquanto o meio pode ser meio de conjunção, da medida ou dos extremos, como a linha entre os pontos. O fim pode ser de privação, como a morte, de limite ou de perfeição. Finalmente, o triângulo amarelo contém os conceitos «ser maior», «igualdade» e «ser menor», os quais podem referir-se às relações existentes entre duas substâncias, dois acidentes ou uma sustância e um acidente. Com esta figura, Lúlio estende ante os olhos de seus leitores a compenetração horizontal da qual se falou antes.






A figuras A e T são retomadas e unidas por Lúlio na terceira figura, que é também a primeira figura de caráter combinatório consistindo de 36 casas com combinações binárias da forma BC, BD, BE, etc., que se agrupam em oito colunas. Estas 36 casas resultam de nove elementos combinados dois a dois sem repetição: 9!/[(9‑2)! X 2!]=36. Cada uma destas letras pode ser tanto predicado como sujeito de uma predicação, podendo-se-lhe atribuir além disso tanto o valor dos princípios absolutos como o dos princípios relacionais. Ao procedimento de desenvolver o conteúdo polissêmico de cada casa, Lúlio dá o nome de evacuatio: Tomando, por exemplo, B como sujeito e C como predicado, a casa BC significa: Bondade é grande, ou: Bondade é concordante. Assim como: Diferença é grande, ou: Diferença é concordante. Já se tomarmos C como sujeito e B como predicado, a casa significa: Magnitude é boa, ou: Magnitude é diferente. Assim como: Concordância é boa, ou: Concordância é diferente. De uma só casa são extraíveis assim oito proposições, às que cabe acrescentar as proposições que resultam da combinação BB e CC que Lúlio não menciona aqui, mas que tem em conta, e assim o número das possíveis proposições sobe para doze. A estas, por sua vez, aplicam-se as perguntas nelas contidas, de maneira que as proposições da casa BC são consideradas sob as perguntas «se» (B) e «que?» (C): Se a bondade é grande, que é bondade grande?, etc. Deste modo, Lúlio pretende encontrar uma cópula que relacione o predicado e o sujeito para chegar a juízos seguros, pelo que esta figura também foi chamada a figura do juízo.






Assim como a terceira figura resume as duas figuras precedentes, a quarta e última figura integra todas as figuras até aqui expostas. Esta figura consiste de três discos marcados pelas letras do alfabeto luliano em sua periferia, sendo que os dois interiores são móveis. Ora, se se fazem rodar estes discos, resultam 252 combinações ternárias sem repetição significando para Lúlio a letra que está no centro da combinação o terminus medius do silogismo. Na combinação ternária BCD, por exemplo, BC seria a propositio maior, CD a propositio minor, C o terminus medius e BD a conclusão. A função desta figura é precisamente forjar para o pesquisador os termos médios para que ele possa chegar a conclusões seguras: “E assim, pelos [termos] médios das casas, o homem caça as conclusões necessárias e as encontra” . Por isso, esta figura também recebeu o nome de figura silogística. Para acabar de descrever esta figura, cabe assinalar que as combinações ternárias resultantes desta são –como as combinações da figura anterior– ambivalentes, já que podem receber tanto o valor dos princípios absolutos como o dos princípios relacionais.






Para diferenciar estes significados, Lúlio esboça na Ars brevis as primeiras colunas de uma Tabula que em sua totalidade conta com 84 colunas de 20 elementos cada uma, ou seja, com um total de 1680 combinações. O número elevadíssimo de perguntas que Lúlio gera desta maneira, para apresentá-las ao juízo racional, é expressão de seu afã de querer abarcar toda asserção possível sem excluir nenhuma delas de antemão. Pode-se dizer, pois, que a função das figuras é garantir que no diálogo inter-religioso nenhuma combinação possível dos princípios básicos, compartilhados por todas as religiões, fique fora de consideração, ao mesmo tempo que seu desdobramento sistemático facilita à razão sua tarefa de julgar e chegar à verdade.



 
posted by Ana Maiz at 13:02, |

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